A Assombração da Casa da Colina (Shirley Jackson)

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a_assombracao_da_casa_da_colinaUma colina não é exatamente uma montanha, talvez ela esteja mais próxima de ser um morro do que de ser montanha. Ela é o que fica entre o chão e o céu, na metade do caminho, e guarda segredos tanto de um quanto do outro. Embora em diversas culturas a colina seja vista como a primeira manifestação da criação do mundo, pois sua saliência a diferencia do caos inicial, para os celtas, ela simboliza o outro mundo.

NENHUM ORGANISMO vivo pode existir com sanidade por longo tempo em condições de realidade absoluta; até as cotovias e os gafanhotos, pelo que alguns dizem, sonham. A Casa da Colina nada sã, erguia-se solitária em frente de suas colinas, agasalhando a escuridão em suas entranhas; existia há oitenta anos e provavelmente existiria por mais outros oitenta. Por dentro, as paredes continuavam eretas, os tijolos aderiam precisamente a seus vizinhos, os soalhos eram firmes e as portas se mantinham sensatamente fechadas; o silêncio cobria solidamente a madeira e a pedra da Casa da Colina, e o que por lá andasse, andava sozinho.

Assim começa A Casa da Colina,  de Shirley Jackson, um dos maiores clássicos do terror. Talvez vocês não reconheçam, de imediato, mas já “estiveram” nessa casa, afinal, o título original do livro é The Haunting of Hill House, que também é o nome da série da Netflix que foi livremente inspirada no livro da Rainha do Terror. Entretanto, não pensem que, por terem visto a série, não se assustarão com o livro, porque  além de ela não ser  uma adaptação fidedigna do romance, série e livro são mídias diferentes.

Ao optar por iniciar a narrativa descrevendo, brevemente, a casa, a autora acaba por situá-la como uma personagem do romance. E, já de início, é possível notar que subverte-se a ordem de uma casa como lugar de segurança, conforto e aconchego, pois a Casa da Colina, desde sua primeira aparição no livro, é caracterizada como insana e solitária. É importante atentarmo-nos à personificação da casa porque o fato de ela manifestar características humanas repreensíveis é um dos pontos chaves da constituição do tipo de terror elaborado pela escrita de Jackson.

John Montague, doutor em filosofia com formação em antropologia, nutria interesse por manifestações sobrenaturais. Ancorado nesse interesse, organizou uma expedição para a Casa da Colina a fim de averiguar, durante os três meses que passaria lá, os segredos guardados por aquela soturna casa de oitenta anos. Para acompanhá-lo nesse estudo, ele convidou diversas pessoas, mas, no fim, só conseguiu a confirmação de quatro. A primeira delas é Luke Sanderson, sobrinho da atual dona da casa que seria investigada. Apesar de ser mentiroso e ladrão, Luke parecia ter um forte instinto de autopreservação, o que o Dr. achou que, de certo modo, o qualificava como convidado ideal para passar um tempo naquele lugar. Além dele, confirmaram presença Theodora e Eleanor Vance.

A primeira tinha uma loja de antiguidades, era uma artista que assinava seus desenhos como Theo, e sensitiva, motivo pelo qual fora convidada para a expedição à Casa da Colina. Ela se apresentava apenas como Theodora, sem sobrenome. Seu mundo era “feito de prazeres e cores suaves”. Já Eleanor Vance era uma mulher de trinta e dois anos, sozinha, que dormia em uma cama no quarto da sobrinha. Passara boa parte de sua vida cuidando da mãe, acamada, e, quando ela falecera, fora morar com a irmã, o cunhado e a sobrinha. Eleanor foi uma das escolhidas para passar três meses na Casa da Colina porque quando tinha doze anos, e sua irmã dezoito, estivera envolvida com fenômenos de poltergeist. À época, seu pai havia falecido há menos de um mês, e, do nada,  começou a chover pedras sobre sua casa.

É a partir do olhar de Eleanor que fazemos o trajeto até a Casa da Colina. E é acompanhando o seu percurso até essa casa que tomamos notas das falas que parecem avisar à Eleanor de que é um erro ir àquela casa. Primeiro, tem a confusão com a irmã, que a proíbe de usar o carro – mesmo que ela tenha investido dinheiro na compra do automóvel, que pertence às duas. Depois, por meio do aparecimento de uma velhinha bastante sinistra em quem Eleanor esbarra quando está indo pegar o carro escondido da irmã. Para se redimir com a velhinha, Eleanor pagou-lhe um táxi. Entretanto, quando o taxista perguntou para onde ela estava indo, a velhinha sorriu e respondeu: “Depois eu digo”. Em seguida, ela olhou para Eleanor e disse que rezaria por ela. Quando chegou à cidade em que ficava a Casa da Colina, Hillsdale, Eleanor, ao parar para lanchar, ouviu de um morador local: “Todo mundo vai embora daqui. Ninguém vem para cá.” Para completar, ao chegar no portão da Casa da Colina, o caseiro, Sr. Dudley, lhe disse: “Não vai gostar daqui — disse. — Vai-se arrepender de ter vindo.”

A narração em terceira pessoa utiliza Eleanor como balizadora as ações da casa e dos outros personagens do livro de Shirley Jackson.  Embora o foco narrativo seja na terceira pessoa, eventualmente Eleanor  se intromete na narrativa por meio do discurso indireto livre para mostrar-nos suas impressões acerca da casa e das outras pessoas que também estavam na residência. Isso acontece quando sua própria consciência lhe avisa dos perigos que ela correria ao entrar na casa: “A casa era vil. Estremeceu e pensou, as palavras fluindo livremente no silêncio de sua mente estarrecida, a Casa da Colina é vil e infame, é doentia; saia daqui imediatamente.” Ela não saiu. Entrou na casa, conheceu a pouco simpática Sra. Dudley, cozinheira, e, aos poucos, os demais convidados começaram a chegar.

Quando todos já estavam na casa e haviam jantado, Eleanor perguntou ao Dr. Montague o porquê de eles estarem lá. Ele disse que preferia falar sobre isso na manhã seguinte, mas, depois da insistência do grupo, disse que temia que se falasse sobre a história da casa, alguns deles poderiam desistir, e não seria fácil ir embora à noite, já que os portões estavam trancados – o Sr. e a Sra. Dudley sempre trancavam tudo – e completou:

A Casa da Colina tem reputação de insistir em hospitalidade; parece que não gosta de perder seus convidados. A última pessoa que tentou deixar a Casa da Colina no escuro — foi há dezoito anos atrás, garanto — foi morta na curva da estrada, quando seu cavalo disparou e a imprensou contra aquela árvore grande.

Essa fala do Dr., ao mesmo tempo em que faz com que nós, leitores, pensemos que ele, Eleanor, Theodora e Luke devessem sair de lá o mais rápido possível, também faz com que pensemos que está tudo bem eles passarem a noite lá, já que a outra opção sugere que eles fossem morrer. Esse momento, aparentemente sem relação com o resto da história, só volta a nos assombrar no desfecho do livro, quando já aconteceram tantas coisas que nem conseguimos mais nos lembrar dele.

Em seguida, Dr. Montague começou a contar a historia da casa. Ela fora construída por Hugh Crain, cuja esposa morrera minutos antes de conhecer a casa em que moraria, pois a carruagem que a levava capotou na estrada. Além do esposo, ela deixou duas filhas, pequenas. O Sr. Crain se casou mais duas vezes. A segunda Sra. Crain morreu de uma queda, e a terceira morreu na Europa. Após a morte da terceira esposa, Hugh Crain decidiu fechar a Casa da Colina e as filhas, que ficaram sob os cuidados da governanta enquanto a madrasta e o pai viajava pela Europa, foram morar com uma prima. O Sr. Crain não voltou para o país. Após crescerem, as duas irmãs passaram o resto de suas vidas brigando pela casa. A mais nova se casou, e a mais velha fora morar na casa e arrumara uma acompanhante, que ficou com a casa quando ela faleceu.

Quando a irmã mais velha era viva, a mais nova vivia querendo alguns artefatos da casa, e elas brigavam muito por causa disso. Quando herdara a casa, a acompanhante insistia em dizer que a irmã mais nova entrava lá, à noite, e roubava coisas, porque, aparentemente, sumiam objetos. Entretanto, a casa era trancada todas as noites, e permanecia assim, quando amanhecia, o que indica que se alguém mexia nas coisas da casa, deveria estar lá dentro. Mas, como, se apenas a acompanhante morava lá? Depois de um tempo, a acompanhante “parece que enlouquecera com a convicção de que não havia fechadura ou cadeado que impedisse a entrada do inimigo que invadia sua casa todas as noites…” e acabou se enforcando, no minarete da torre da Casa da Colina.

Após seus convidados para a expedição fazerem alguns comentários, o Dr. Montague sintetizou o que pensa sobre a Casa da Colina: “o mal é a própria casa, eu acho. Aprisionou e destruiu as pessoas e suas vidas; é um lugar de malignidade contida.”

Mais tarde, deitada na cama, no quarto azul, Eleanor refletia sobre o dia que tinha passado e sobre os outros convidados. Cobriu a cabeça com o cobertor e deu uma risadinha. “Na cidade nunca dormia com a cabeça embaixo das cobertas; como mudei hoje, pensou.” As epifanias de Eleanor, de algum modo, me lembram das personagens de Clarice Lispector. Pelo menos, no início da narrativa. Depois de alguns dias na Casa da Colina, ela começou a demonstrar sinais de que estava sendo bastante afetada pela malignidade daquele lugar.  Mas a primeira noite na casa foi tranquila para todos.

No dia seguinte, eles começaram a perceber que as portas da casa não ficavam abertas. Mesmo que eles colocassem escoras, quando voltavam a olhar, as portas estavam fechadas e os objetos utilizados para que elas não se fechassem haviam voltado para o lugar que ocupavam antes de servirem como escoras. Eles queriam acreditar que era a Sra. Dudley, caseira e cozinheira, que fechava as portas, ou talvez dissessem isso na tentativa de manterem a racionalidade, o que ficou bastante complicado quando, durante o tour que fizeram pela casa, ao chegarem em um determinado ponto da residência, serem atingidos por um frio absurdo. O doutor disse que esse lugar parecia ser o coração da casa.

Na noite do segundo dia, Theodora e Eleanor acordaram com o barulho de batidas nas portas. Eleanor acordou porque Theodora a chamou, então foi para o quarto dela pelo acesso que tinha entre os quartos azul, o seu,  e o verde, o da outra convidada. As batidas persistiam por um minuto e paravam. Depois, recomeçavam. Parecia que, o que quer que fosse que estivesse batendo, ia, metodicamente, de porta em porta, desse modo, passando por todas as portas do corredor. Quando o barulho ficou ensurdecedor, o ar gelado entrou por debaixo da porta e Theodora e Eleanor começaram a tremer de frio. As maçanetas das portas começaram a ser giradas, e as mulheres confirmaram uma para a outra que as portas de ambos os quartos estavam trancados, pois Eleanor trancara a porta do quarto azul antes de ir se deitar, então, não havia como a coisa que girava maçanetas e caminhava pelos corredores entrar no quarto de Theodora por intermédio do outro quarto.

— Não pode entrar — disse Eleanor, frenética, e novamente fez-se silêncio, como se a casa ouvisse com atenção suas palavras, compreendendo, concordando cinicamente, contente em esperar. Ouviu-se uma risadinha fina, um golpe de ar pelo quarto, a risadinha louca crescendo, depois sussurrando, e Eleanor ouviu tudo subindo e descendo a espinha, uma risadinha maligna de triunfo passando por elas e rodeando a casa, e então ouviu o doutor e Luke chamando das escadas e, misericordiosamente, tudo terminou.

Quando o Dr. e Luke chegaram ao quarto e foram informados do que aconteceu, disseram que estavam fora da casa, procurando por algo, parecido com um cachorro, que havia passado perto do quarto do Dr, que acordara Luke para ajudá-lo a procurar pelo animal. Depois, ele disse: “— Quando Luke e eu fomos chamados lá fora e vocês duas ficaram presas aqui, não lhes parece — e sua voz estava muito calma —, não parece que a intenção foi, de alguma forma, nos separar?”

Parecia que a casa começara a agir, efetivamente, para separá-los. E o próximo passo foi começar a colocá-los uns contra os outros. Apareceu uma escrita em uma das paredes da casa com os seguintes dizeres: “AJUDE ELEANOR A VOLTAR PARA CASA”. Depois do susto inicial, Eleanor perguntou para Theodora se fora ela que escrevera aquilo, como uma brincadeira. Theo rebateu, dizendo que Eleanor sabia que nenhum dos quatro escrevera aquilo. Não satisfeita, ela fez a mesma pergunta para Luke. Então, Theodora disse que poderia ter sido a própria Eleanor que rabiscara aquelas palavras na parede, como um pedido de socorro. Ela ficou muito irritada com essa suposição.

Quando o quarto e as roupas de Theodora ficaram cheios de sangue, a tensão na casa aumentou. Theo começou a acusar Nellie/Nell, que é como chamava Eleanor, de ter feito isso, e, desde então, Eleanor se pegava imaginando coisas ruins sobre a artista; chegou, até, a imaginar sua morte. Quando Luke e o Dr. chegaram ao quarto de Theodora e viram todo o sangue, tiveram outra surpresa. Dessa vez, fora escrito, com sangue, no papel de parede do quarto de Theodora:  “AJUDEM ELEANOR A VOLTAR PARA CASA”.

(A partir daqui, há muitos spoilers. Caso não queira detalhes sobre o desfecho do livro, sugiro que você pule os próximos cinco parágrafos e vá direto para o último).

Eleanor parecia ser cada vez mais afetada pela casa. As coisas pioraram quando, quase uma semana depois que os quatro estavam lá, a Sra. Montague e seu amigo, Arthur, que dirigiu para ela, terem ido à Casa da Colina ajudarem na investigação do Doutor. Eles decidiram usar a prancheta, algo parecido com Ouija, uma forma de escrita automática utilizada para se comunicar com seres intangíveis. Embora o Dr. não fosse adepto da Prancheta, sua esposa o era, e insistiu em utilizá-la. Após terem realizado o procedimento na Biblioteca, a Sra. Montague e Arthur compartilharam os resultados com o resto do grupo. Arthur leu as perguntas que foram feitas ao suposto fantasma/espírito e a Sra. Montague leu as respostas. O que se manifestou por intermédio da prancheta disse ser Eleanor, Nellie, Nell e disse que queria ir para a casa, que queria a mãe e, quando interrogado sobre onde era sua casa, respondia: “perdida, perdida, perdida”.

Depois desse acontecimento, Eleanor começou a demonstrar sinais de que sua sanidade estava seriamente ameaçada pela casa. E isso garantiu o que foi, na minha opinião, o momento mais assustador de todo o livro. Ela começou a espionar os outros moradores da casa, e a agir como se não estivesse lá, se escondendo deles, enquanto os vigiava. Então, para o meu desespero, reencenou o que, antes, parecia apenas ter vivenciado: as batidas nas portas, o vai e vem pelo corredor, as risadas insanas, o girar das maçanetas dos quartos, enfim. E ela sentiu prazer em perceber que Theodora estava com medo. Isso sugere que Nellie estava, de certo modo, se tornando parte da casa, pois compartilhava de sua insanidade e sadismo. Mas também instaura a dúvida de que, talvez, de algum modo, ela estivesse envolvida da outra vez que as batidas incomodaram os moradores da casa. Nesse ponto, é possível lembrarmo-nos da quase imperceptível risada que ela deu, ao cobrir a cabeça, na primeira noite que passou na Casa da Colina. Se a risadinha debaixo do cobertor é um indício de que Eleanor já tinha sido afetada pela casa quando ainda pensava que estava tudo bem, não se pode ter certeza. Mas a sugestão de que isso possa ter acontecido é bastante assustadora.

Com isso em mente, começamos a questionar outras situações que, no primeiro momento, dávamos como certas. Antes dessa sugestão, eu acreditava piamente que,  da  primeira vez que as batidas na porta e as risadas ensandecidas aconteceram, Eleanor estivesse o tempo todo ao lado de Theodora. Mas então me lembrei do dia em que Eleanor pensou que segurava a mão de Theodora, muito forte, quando o quarto estava brutalmente frio e escuro. Nesse dia, enquanto isso acontecia, ela tentava falar, mas não conseguia, só balbuciava. Quando as coisas começaram a se normalizar, e ouviu Theodora, do outro lado do quarto, sem segurar em sua mão, chamando por ela, Eleanor disse: “Meu Deus… de quem era a mão que eu estava segurando?” (Isso é absurdamente assustador, mas confesso que eu teria ficado mais apavorada se não tivesse visto a série da Netflix antes, já que ela se utilizou dessa estratégia). Se a história é construída a partir da percepção de Eleanor sobre as situações, é possível que, da primeira vez que o arroubo de batidas nas portas dos quartos e as risadas insanas aconteceram, ela pensasse que estava ao lado de Theodora, o tempo todo, mas, na verdade, não estava? É possível que Theodora pensasse que Eleanor estava lá, o tempo todo, mas na verdade, não estava? Do mesmo modo que Eleanor segurou uma mão e assumiu que fosse a de Theodora, Theo poderia ter ficado no quarto com alguém e assumido que esse alguém fosse Eleanor.

Assustador, também, é o penúltimo ato de loucura protagonizado por Eleanor na casa, o que fez com que eu resgatasse na memória algo que o Dr. Montague disse em um dos primeiros dias que os quatro passaram na casa: “Nenhum fantasma em todas as histórias longas de fantasmas jamais machucou alguém fisicamente. Os únicos danos são causados pela própria vítima a si mesma.” Eleanor subiu na escada da torre, e colocou em risco não apenas a sua vida, mas também a de Luke, que subira para tirá-la de lá. No momento em que Eleanor foi em direção à torre, eu tive quase certeza de que ela, como a acompanhante da irmã mais velha, fosse se enforcar lá, o que não aconteceu. Confesso que o fato de eu ter visto a série da Netflix antes de ler o livro contribuiu para isso, mas as reações, os pensamentos que a torre causava em Eleanor ao longo do livro também me levaram a acreditar nisso. Depois do incidente da torre, a Sra. Montague ajeitou as coisas para que o Dr. Montague mandasse Eleanor de volta para a casa da irmã, pois ela estava colocando a vida de todos em risco.

Desse modo, penso, eles acreditavam que ajudariam-na a voltar para casa. Entretanto, Eleanor já estava nas garras da Casa da Colina que, como explicado pelo Dr. na primeira noite que passaram nessa residência, não gostava de deixar seus convidados partirem. É nesse ponto que compreendemos a importância da história que o Dr. contou da pessoa que, há 18 anos, tentara ir embora da Casa da Colina e morrera quando seu cavalo disparou e a imprensou contra a árvore, porque após o Dr. Montague tê-la mandado embora – mesmo que ela pedisse, por inúmeras vezes, para ficar – Eleanor, protagonizando o seu último ato de loucura, jogara, deliberadamente, o carro contra a árvore. Enquanto o fazia, ela se perguntava o porquê de estar fazendo aquilo, mas já era tarde para se obter qualquer resposta. Ela estava, de algum modo, voltando para casa: a Casa da Colina.

O livro termina como começou: a narrativa é pendular, isto é, volta ao ponto de partida: a descrição da Casa da Colina erguendo-se, solitária, e agasalhando a escuridão. A Casa, que existia há oitenta anos, ainda estava lá, onde provavelmente permaneceria por mais oitenta anos. Diferentemente do que se espera da maioria dos livros de terror, A Assombração da  Casa da Colina não nos assusta pela exploração do grotesco, de gritos e imagens aterradoras. O livro de Shirley Jackson ancora-se no terror psicológico, o terror em que predomina a sugestão, não a exposição. É como se a casa fosse a amplificação do inconsciente das pessoas que passam por ela, o que leva as pessoas a um estágio de desequilíbrio tão intenso que faz com que elas exibam todos os traços reprováveis de suas personalidades que, racionalmente, tentaram reprimir. O medo ao qual a Casa da Colina nos submete não é um medo gritado, é um medo sussurrado, balbuciado, quase inaudível, mas constante, o que faz com que fiquemos, sempre, no estado de espera. Sempre à espera do momento em que a casa aumentará o volume e, então, consumirá os seus visitantes.

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Eu sou a polpa deliciosíssima do nada.

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