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Os 13 Porquês (Jay Asher)

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Os-13-Porquês“Quantos segredos pode haver em um colégio?” A frase, dita por Clay Jensen, narrador e um dos personagens principais de “Os 13 Porquês”, reflete um dos pensamentos que povoaram minha mente enquanto eu lia o romance escrito por Jay Asher. Durante o tempo que frequentamos a escola, convivemos, diariamente, com uma grande quantidade de pessoas, mas o que, efetivamente, sabemos sobre elas? Quais são os seus segredos, os seus anseios, os seus medos, os seus erros, entre outros? Nessa perspectiva, temos o desenrolar do enredo do livro de Jay Asher.

No início da narrativa, somos informados de que Hannah Baker cometeu suicídio. Não há muitos detalhes. Não há uma descrição excessiva do ocorrido. Há lacunas. A história começa com Clay colocando um pacote de fitas no correio. Fitas que, de certo modo, preencherão algumas das lacunas que ficaram depois da morte de Hannah. E criarão outras. Algumas poderão ser desfeitas ao longo da leitura do romance; outras, não.

Depois que Clay deixa o pacote de fitas no correio e vai para a escola, o porquê de Hannah ter cometido suicídio começa a ser desvelado. O leitor, então, por intermédio da narrativa, acompanha o  percurso que o estudante fez a partir do momento que recebeu o pacote com as sete fitas. Em cada uma dessas fitas, há uma história ou, se você preferir, um porquê para Hannah ter se matado. Cada porquê é ligado a um nome, e cada nome traz, para o âmbito narrativo, um expressivo relato de Hannah.

Clay ficou surpreso quando recebeu o pacote de fitas. Ele não sabia o que tinha nelas. Quando colocou a primeira para tocar, ficou assustado ao ouvir a voz de Hannah, que tinha se matado há duas semanas. Ficou ainda mais assustado quando ela disse que todos os que estavam na fita eram culpados por ela ter cometido suicídio. Ele continua a ouvir as fitas para descobrir de que modo teria contribuído para que ela tomasse a decisão de cometer suicídio.

E nós, leitores, somos movidos por essa curiosidade também, porque Clay é um personagem tão cativante, que a gente se recusa a acreditar que ele possa ter feito mal à Hannah. Essa angústia acompanha o personagem até pouco mais da metade do livro, quando ele ouve a fita em que é mencionado e Hannah diz: “você não pertence a essa lista do mesmo jeito que os outros”.

Hannah e Clay são co-narradores. Hannah está presente no relato das fitas, o que confere um tom testemunhal à narrativa. E Clay tece comentários acerca do que escuta nas fitas e, desse modo, costura a narrativa, concedendo-nos detalhes não mencionados nas gravações de Hannah e, até mesmo, uma segunda versão sobre alguns dos fatos mencionados nas fitas que, juntas exibem, nas palavras da Hannah: “uma só bola emocional de palavras compactadas e bem conectadas”.

Quase todos os capítulos do livro são demarcados pelo número e o lado da fita, como por exemplo: “Fita 1: Lado A”. As partes narradas pela Hannah, isto é,  as que estão nas fitas ouvidas por Clay, estão grafadas em itálico. Geralmente, quando Clay vai fazer um comentário maior sobre algo relatado nas fitas ou vai se deslocar entre os lugares nelas mencionados, as interrupções são feitas por meio do uso de símbolos gráficos referentes a “pause” ou “stop”. Assim, sabemos que Clay interrompeu a narrativa de Hannah para pensar sobre o que ouviu, para se direcionar a algum lugar ou para conversar com alguém. Quando aparece o “play”, Hannah reassume o papel de narradora.

Hannah enumera, ao longo das sete fitas,  pessoas que tiveram influência na sua decisão de cometer suicídio. Podemos perceber, no fim das contas, que se trata de um efeito dominó ou, como a protagonista de “Os 13 Porquês” prefere dizer, foi uma bola de neve. Começou com um gesto perverso, um estudante decidiu espalhar um boato sobre a aluna nova, no caso, Hannah, e isso foi puxando os outros fios do novelo: os abusos, as agressões, entre outros, o que, no fim das contas, fez com que Hannah tivesse todos os seus sonhos destruídos. Todas as vezes em que Hannah tentou se reerguer, todas as vezes em que parecia que alguém iria segurar a mão dela e levantá-la, a pessoa soltava, e ela caía, ia um pouco mais para o fundo do poço:

Quase o tempo todo, desde o meu primeiro dia no colégio, eu parecia a única pessoa a se importar comigo. Dedique todo o seu coração em busca do primeiro beijo… só para jogarem isso de volta na sua cara. Experimente ver as duas únicas pessoas em quem confia se virarem contra você. Experimente ver uma delas usar você para se vingar da outra e, depois, ser acusada de traição. Estão entendendo agora? Ou será que estou indo depressa demais? Pois bem, continuem me acompanhando! Experimente deixar alguém tirar toda a sensação de privacidade ou segurança que você talvez ainda possua. Aí, então, experimente ver alguém usar essa insegurança para satisfazer sua própria curiosidade pervertida.

A adolescência é uma fase difícil, é uma fase em que, de um jeito ou de outro, as pessoas procuram, desesperadamente, por aceitação. As pessoas procuram se encaixar em um grupo. Mas Hannah não teve chance. Antes mesmo de tentar, ela já estava condenada a receber a culpa pelos infortúnios, abusos e calúnias de que foi vítima. Minar a autoestima de uma pessoa é como lhe tirar o chão. Foi o que aconteceu com Hannah que, nas fitas finais, com cada palavra proferida, deixava um rastro de dor. Ela deixou bem claro que a decisão de tirar a vida foi sua, mas isso, em momento algum, exime as pessoas citadas nas fitas dos seus atos egoístas e violentos.

Todos os lugares onde as coisas relatadas nas fitas aconteceram estavam marcados em um mapa, que Clay tentou seguir. Enquanto transitava pela cidade, ele sentia frio, raiva, tristeza, e diversos sentimentos, todos amplificados por um: impotência. Afinal, por mais que ele quisesse, não tinha como salvar Hannah. O testemunho de Hannah fez com que a visão que Clay tinha sobre diversas pessoas da escola mudasse: “a cada lado das fitas, uma velha recordação é virada do avesso. Uma reputação é retorcida, transformando as pessoas em indivíduos que não reconheço”.

Essas pessoas que tiveram a reputação revirada, viraram a vida de Hannah do avesso, e lhe causaram inúmeras cicatrizes, mas não eram cicatrizes visíveis, eram cicatrizes na alma. Mais do que uma sincera reflexão sobre o suicídio, “Os 13 Porquês” nos leva a pensar sobre o fato de que as nossas ações têm consequências na vida dos outros. As nossas ações, por menores que sejam, afetam as pessoas.

As doze pessoas que foram citadas nas fitas – foram 13, mas o Clay não causou nenhum mal à Hannah -, de certo modo, fizeram com que eu me lembrasse de “Assassinato no Expresso do Oriente”, de Agatha Christie. No livro da Rainha do Crime, durante uma viagem no Expresso do Oriente, Hercule Poirot teve de desvendar o assassinato de Mr. Ratchett, que foi esfaqueado, doze vezes, enquanto dormia.

Depois de muito refletir sobre o caso e interrogar os passageiros, Poirot descobriu que o Mr. Ratchett era, na verdade, Cassetti, que havia sequestrado e assassinado uma criança e tinha saído impune. A partir disso, ele formulou duas hipóteses: a primeira, seria a de que uma pessoa estranha teria embarcado durante a parada do trem, em Vinkivci, assassinado Cassetti e desembarcado. A segunda, é a de que todos os 12 suspeitos, que tinham ligação com a família da menina assassinada, tivessem esfaqueado Cassetti.

Mr. Ratchett cometeu um crime –  o que não significa que eu acredite que linchamento seja justiça; não é! – e doze pessoas, quantidade de pessoas que integra um júri, decidiram condená-lo à morte. Qual é o crime que Hannah cometeu? Todas as 12 pessoas citadas nas fitas, de certo modo, mataram Hannah. Assim como 12 pessoas que estavam no trem assassinaram Mr. Ratchett.  A exemplo do que aconteceu na obra da Rainha do Crime, quando foi considerada a opção de que um estranho tenha entrado no trem e assassinado Mr. Ratchett, é mais cômodo pensar que um estranho, neste caso, uma estranha,  a depressão, tenha entrado na vida de Hannah para fazer com que ela cometesse suicídio. O personagem de “Assassinato no Expresso do Oriente” foi esfaqueado doze vezes enquanto dormia. Hannah, por outro lado, foi esfaqueada enquanto vivia, enquanto tentava encontrar o seu lugar no mundo.

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